Epicuro, quem é e porquê todo liberal deveria conhecer.

Willian Pablo

Note: My Portuguese is less than perfect, but this is an interesting and well-informed overview of Epicurus. Some nice mentions of me as well! SIG

O contrato social, a busca pela felicidade, o individualismo, o decaimento do poder da religião e o advento do racionalismo científico. Parece moderno para você? Não se engane, esses pensamentos constituem uma doutrina filosófica bastante antiga, fundada em 307 antes de cristo e redescoberta justamente no período do advento do pensamento moderno, no sec XVII.

Epicuro foi o pai dessa doutrina, chamada de epicurismo. E eu não preciso dizer porque ela foi importante aqui, no início do texto, eu prefiro dar espaço para que Thomas Jefferson, Adam Smith e Ludwig Von Mises o façam:
Eu também sou um epicurista. Eu considero a doutrina genuína de Epicuro como contenta de tudo o que é racional na filosofia moral que Grécia e Roma nos deixaram. Epíteto de fato, nos deu o que havia de bom nos estóicos; tudo além, dos seus dogmas, era hipocrisia e careta. O grande crime deles foram as suas calúnias de Epicuro e más representações das suas doutrinas; nas quais nós lamentamos ver o franco caráter de Cícero se engajando como cúmplice.” Thomas Jefferson, Carta para William Short em 31 de outubro de 1819
O mais antigo desses sistemas que fazem a virtude consistir na prudência, e do qual quaisquer restos consideráveis chegaram a nós é o de Epicuro, de quem é dito, entretanto, que pegou emprestado todos os seus mais importantes princípios de Aristipus; embora seja muito provável, apesar dessa alegação de seus inimigos, que ao menos a sua maneira de aplicar esses princípios unificadamente foi totalmente sua.” Adam Smith, A Teoria dos Sentimentos Morais.
“O papel histórico da teoria da divisão do trabalho tal como foi elaborada pela economia política inglesa, de Hume a ricardo, consistiu em demolir completamente todas as doutrinas metafísicas relativas à origem e ao funcionamento da cooperação social. Consumou a emancipação espiritual, moral e intelectual da humanidade, que fora iniciada pelo epicurismo. Substituiu a antiga ética heterônoma e intuicionista por uma moralidade racional e autônoma. A lei e a legalidade, o código moral e as instituições sociais não são mais reverenciados como decretos insondáveis da Providência. Sua origem é humana e o único critério que lhes deve ser aplicado é o da sua adequação ao bem estar humano.” Ludwig Von Mises, Ação Humana.
Epicuro, como se pode ver, possui uma grande influência sobre figuras no mínimo essenciais para o pensamento liberal. Mas o que se pode perceber, já nessas 3 passagens é que havia alguma coisa errada com ele. Por que Epicuro fez tantos inimigos intelectuais, por que ele era alvo de calúnias e má-representações? Uma boa teoria é o simples fato de Epicuro ter trazido um tipo de pensamento que conflitaria com o sossego classe dominante, que, como de costume, vivia colada com a religião dominante. Explico.
Epicuro não foi apenas um filósofo da “boa-vida”, ele foi um filósofo da física também. Epicuro era um seguidor das doutrinas atomistas iniciadas por Leucipo e Demócrito. Segundo a doutrina atomista, o mundo é constituído apenas de átomos e vácuo, esses átomos não possuem diferentes qualidades, como tendemos a imaginar os átomos atualmente (um átomo de hidrogênio difere de um de urânio), mas apenas são mensuráveis quantitativamente. Em outras palavras, o mundo é meramente quantitativo e qualquer qualidade que percebemos é subjetiva, resultado da colisão de inúmeros átomos que vão desde o ambiente externo até a nossa abstração mental. O mundo é constituído apenas do que pode ser medido, a saber, quatro coisas fundamentais: tamanho, formato, estado de movimento e número. O mundo só possui diferentes formas porque os átomos são distinguíveis pela quantidade de espaço que há entre eles. Se não houvesse espaço entre os átomos, o mundo seria apenas um gigante átomo.
Mas os atomistas não acreditavam apenas nisso, eles também acreditavam que os átomos e o espaço não possuíam nenhum propósito e eram guiados meramente pelas leis da mecânica. Essa posição ficou conhecida metafisicamente como materialismo mecanicista.
Se assumimos essa visão, entretanto, teremos que assumir que tudo o que ocorre no mundo está determinado pelas leis da mecânica, que são impessoais e sem propósito. Até aí parece beleza, o único problema é que nós também fazemos parte dessa realidade, nossas ações são guiadas por nossa mente, bem como os nossos pensamentos. E como tudo o que existe é átomo ou espaço, guiados por leis mecânicas, nós não possuímos um controle sob nossas ações, pensamentos ou destino. Tudo o que somos, fazemos, pensamos ou queremos não tem nada haver com nós mesmos, são apenas resultados de átomos colidindo em nossas cabeças. Se é assim, não possuímos livre-arbítrio.
Epicuro assumia uma visão parecida, e assumir um tipo de visão que iguala os homens aos deuses, que os tornam constituídos dos mesmos blocos fundamentais, significa se colocar em rota de colisão com a religião e classes dominantes. Ora, se o universo não possui um propósito, não existe nada senão matéria e espaço e deus é feito do mesmo material que eu, não há razão alguma para temer deus. Deus não pode me punir mais do que eu poderia punir deus, somos feitos da mesma coisa e não há nenhum submundo espiritual, apenas há átomos e espaço.
Percebam, então, que Epicuro não chega a ser um ateísta… Ele apenas torna os deuses estéreis. Mas o fato é que para Epicuro o temor a deus era um dos grandes motivos da infelicidade humana, os humanos ficavam tão preocupados em serem punidos pelos deuses (sim, deuses, lembre que epicuro viveu no período helenístico grego) que viviam uma vida de preocupações constantes.
A grécia estava abalada com as guerras entre Atenas e Esparta e a religião grega estava se esfacelando já a mais de século, com o “iluminismo” grego desenvolvido por filósofos de Thales a Aritóteles. Cada vez mais a ordem social grega se desintegrava e ninguém sabia exatamente o que fazer para assegurar a ordem social. Ninguém a não ser Platão. Para Platão a sociedade deveria ser reorganizada no formato de uma oligarquia autoritária chamada de “os reis filósofos”, neste modelo de sociedade haveria estratificações sociais, onde cada classe se dedicaria a uma atividade específica. Nessa sociedade a arte seria controlada e a poesia abolida. Para assegurar tudo isso e evitar tumultos das classes inferiores, a grécia precisaria de uma reforma teológica, ao invés de ter diversos deuses separados, nenhum com poder absoluto sob a vida de todos os homens, seria necessária uma teologia onde houvesse um deus super-poderoso que subjulgasse todos os outros deuses e agisse mediante esses outros deuses para punir os que fossem contra as suas vontades. Uma vez estabelecido esse deus, a sociedade seria ordenada e a classe dominante poderia buscar refúgio na proteção divina contra as classes inferiores.
As ideias de Epicuro iam de frontal oposição as recomendações de Platão. Mais tarde elas seriam distorcidas pelos Estóicos, que asseguravam que o mundo possui um propósito e que a estratificação social é algo natural e harmônico; e pelos cristãos, onde nós iremos ver ressurgir a figura de um rei absolutista que se confunde com deus e protege uma nobreza. Vale lembrar que o mainstream da teologia cristã foi neo-platonista, tendo seu expoente em Agostinho e só mudando de paradigma com Aquino, que nasceu quase mil anos após Agostinho.
Epicuro teve sua filosofia atacada de forma absurdamente ridícula, disseram que ele era o filósofo da devassaria e até hoje ainda associam o seu nome com impulsividade e curtir a vida adoidado. Nada mais longe da vida e dos ensinamentos de Epicuro…
Epicuro e a liberdade
A primeira guinada de Epicuro em direção a liberdade foi metafísica. Epicuro não concordava com a teoria dos atomistas completamente, para Epicuro, nós possuíamos livre arbítrio. Epicuro, nesse sentido, vai ser o originário na tentativa de tentar conciliar o livre-arbítrio com o materialismo, essa linha de pensamento vai ser aprimorada por vários filósofos após ele, dentre eles Kant, William James, alguns existencialistas e alguns seguidores do físico Werner Heisenberg.
Para Epicuro, para que o nosso mundo seja formado, é necessário que os átomos se juntem, para isso é necessário que eles colidam. Para o pensamento de Demócrito, os átomos se juntavam da seguinte forma: inicialmente cada átomo está viajando no vácuo do espaço em linhas paralelas, mas com uma diferença, alguns átomos são mais pesados que outros átomos e por isso eles caem mais rápido que esses outros átomos, de tal forma que colidem com eles na mesma linha de percurso, formando assim um agrupamento, repita esse processo em várias linhas, várias vezes, e você consegue formar absolutamente tudo o que há no mundo.
Aristóteles discordou com essa visão, para Aristóteles não fazia sentido alguns átomos serem mais lentos que outros porque o vácuo não fornecia nenhuma resistência ao movimento dos átomos. A solução de Epicuro para esse dilema não foi bem uma solução, ele simplesmente adicionou uma hipótese ad hoc conhecida como clinâmen. Segundo essa hipótese, em algum momento e em algum lugar é possível que ocorra uma ligeira variação no movimento do átomo durante o seu movimento em linha reta, essas pequenas variações de angulação, por menores que fossem, tirariam o átomo do seu percurso e acabariam gerando alguma colisão entre os átomos do universo. Repita esse evento sucessivamente e você consegue formar o mundo.
Para epicuro, da mesma forma pela qual os átomos podiam escapar ocasionalmente do determinismo, nossa alma também poderia. É no caráter estocástico da realidade que conseguimos achar um espaço para o livre-arbítrio. A grande sacada aqui foi entendimento de que as leis naturais conseguiam determinar a maior parte das coisas que ocorriam no universo, mas não tudo. Uma das coisas que as leis da natureza não podiam determinar com 100% de certeza era o movimento dos átomos – talvez Epicuro concordasse que poderiam determinar com 99,9% de certeza – e a outra coisa era o comportamento humano, onde residia o livre arbítrio.
Obviamente há inúmeros problemas que surgem desse tipo de justificativa, um deles, apontado por Leonard Peikoff, é que não teríamos mais liberdade sob uma realidade determinística do que sob uma realidade imprevisível, onde as leis causais foram rompidas. Como podemos ter autonomia sobre nós mesmos quando o nosso comportamento é causado sem razão alguma, nós nos livramos de um determinismo naturalista e colocamos no lugar um indeterminismo aleatório.
De toda forma, o mérito de Epicuro neste contexto está mais em procurar um espaço para liberdade no paradigma do que, de fato, achar esse espaço. O racionalismo científico e a liberdade individual.
Mas a contribuição de Epicuro foi maior que essa, ele se destacou frente a seus precursores por ser um filósofo que colocava como o fim do homem o seu próprio prazer e rejeitava a ideia de que o homem só seria virtuoso caso participasse da vida da polis, como diriam Platão e Aristóteles. Eu suspeito inclusive que Epicuro daria um bom brutalista anarcocapitalista. Embora ele não fosse um anarquista, ele rejeitava a política e dizia para que não participassem dela. Segundo Plutarco, quando os epicuristas escreviam sobre política, era “para nos desencorajar de praticar política… e sobre o reinado para nos desencorajar a andar com os reis”.
“É isso o que Epicuro e Metrodoro fazem; eles instigam seus seguidores a evitar a vida pública e expressar desgosto por aqueles que nela participam, abusando dos legisladores mais antigos e mais sábios e instando desprezo pelas leis.” – Plutarco
Diferentemente de Platão e Aristóteles, que tinham a visão de que a sociedade se formava pela própria natureza do homem, que é social, os epicuristas se mostraram individualistas radicais, para eles o homem não é um “animal social” mas sim um animal que busca o prazer, e a sociedade nada mais é do que um artifício convencional criado por homens para perseguir suas próprias felicidades em paz. O cientista político Martin Masse chega a dizer que:
“O epicurismo é a coisa mais próxima a uma filosofia libertária que você pode achar na antiguidade. Platão, Aristóteles, os estóicos, todos eram estatistas em vários graus. Epicuro focou na busca individual pela felicidade, aconselhou a não nos envolvermos na política por causa dos problemas pessoais que ela trás, e pensava que a política era irrelevante”
Para Epicuro,entretanto, não havia algo como uma justiça como um fim em si mesma, a justiça era relativa de lugar para lugar, os valores morais eram constructos humanos que serviam para moldar uma sociedade onde as pessoas pudessem perseguir seus prazeres da melhor forma possível. Em resumo, para Epicuro, nós não deveríamos agredir o próximo não exatamente porque isso é mau para o próximo, mas porque isso resultaria em um incoveniente social ou pessoal para nós mesmos, podendo diminuir o nosso prazer.
“Nunca houve isso de justiça absoluta, mas apenas acordos feitos em relações mútuas, entre homens em vários lugares e tempos provendo-os contra a inflição de sofrimento ou ofensa” – Epicuro
Agora, perceba que Epicuro certamente não influencia o pensamento liberal pela linha justnaturalista. Epicuro influencia o pensamento liberal por uma outra linha, a linha dos pensadores do utilitarismo ético, linha que inclui personagens como Jeremy Bentham e John Stuart Mill, e pra citar personagens mais recentes, Ludwig Von Mises, F. A. Hayek, Milton Friedman e até mesmo o anarco-capitalista David Friedman (filho do Milton), apesar desse último utilizar o utilitarismo mais como uma ferramenta de resolução do problemas do que como uma doutrina ética a ser seguida em por si mesma. Epicuro era um Hedonista, ele pregava que o fim último do homem deve ser o seu próprio prazer. Com prazer, entretanto, epicuro não se referia ao prazer positivo, isto é, o prazer que nós buscamos no sexo, na bebedeira, na fama ou na alimentação, mas sim o prazer no sentido negativo, o prazer entendido como a ausência de tormentos físicos ou mentais.
“Quando dizemos que o prazer é o fim, não queremos dizer o prazer do extravagante ou o que depende da satisfação física — como pensam algumas pessoas que não compreendem os nossos ensinamentos, discordam deles ou os interpretam malevolamente — mas por prazer queremos dizer o estado em que o corpo se libertou da dor e a mente da ansiedade. Nem beber e dançar continuamente, nem o amor sexual, nem a fruição de peixe ou seja o que for que a mesa luxuosa oferece gera a vida agradável; ao invés, esta é produzida pela razão que é sóbria, que examina o motivo de toda a escolha e rejeição, e que afasta toda a escolha e rejeição, e que afasta todas aquelas opiniões através das quais a mente fica dominada pelo maior tumulto. De tudo isto o bem inicial e principal é a prudência. Por esta razão, a prudência é mais preciosa do que a própria filosofia. Todas as outras virtudes nascem dela. Ensina-nos que não é possível viver agradavelmente sem ao mesmo tempo viver prudentemente, nobremente e justamente, nem viver prudentemente, nobremente e justamente sem viver agradavelmente; pois as virtudes cresceram em união íntima com a vida agradável, e a vida agradável não pode ser separada das virtudes.” – Epicuro, Carta a Meneceu.
Eu fiz questão de grifar essa parte da última passagem porque uma das maiores críticas honestas lançadas a Epicuro é justamente perante o fato de que ele não colocar a virtude como fim, mas o prazer. Essa foi uma das coisas apontadas por Adam Smith e também por Rodrigo Constatino em um antigo artigo que ele escreveu sobre Epicuro.
Segundo Epicuro, a virtude também não mereceria ser buscada por si mesma, nem seria em si um dos objetos fundamentais de apetite natural; seria desejável apenas graças à sua tendência a evitar dor e proporcionar bem-estar e prazer. Na opinião dos outros três (Platão, Aristóteles e Zenão), ao contrário, a virtude seria desejável não apenas como meio de proporcionar os outros objetivos primários do desejo natural, mas como algo que em si mesmo seria mais valioso do que todos estes. Pensavam que, sendo o homem nascido para a ação, sua felicidade deve consistir não apenas no que há de agradável nas suas paixões passivas, mas sobretudo na conveniência de seus esforços ativos.”
Adam Smith
“O Utilitarismo faz sentido muitas vezes, já que a maioria busca maximizar a própria felicidade mesmo. Mas se a utilidade entrar em conflito com a virtude, esta deve prevalecer.”
Rodrigo Constatino
Ao analisar o trecho que grifei, entretanto, está bem claro que para Epicuro não existe essa coisa de ‘se a utilidade entrar em conflito com a virtude’. Muito pelo contrário, pelas suas próprias palavras, essas duas coisas não podem ser separadas, e para Epicuro a prudência é um dos caminhos para a boa-vida, e certamente para a virtude. Isso me faz pensar que Epicuro e Constatino devem possuir bem mais em comum do que o próprio Constatino suspeita. Eu diria, inclusive, que Epicuro parece ter antecedido não só a linha liberal utilitarista, mas, em sua valorização da prudência, também a linha de pensamento conservadora, com figuras como Edmund Burke, Russell Kirk, ou até mais recentemente, Roger Scruton.
Epicuro tinha sua própria escola, intitulada de “O Jardim”. No Jardim de Epicuro, tínhamos uma sociedade aberta, onde várias pessoas, de mulheres, a estrangeiros a escravos, poderiam participar e debater sobre os mais diversos assuntos. Não fosse o bastante, se opunha a educação pública (nem Adam Smith se opôs a educação pública). Epicuro, portanto, era um individualista radical, que vivia com pouco, mas que valorizava bastante a amizade, a sabedoria e a liberdade. Segundo o filósofo suíço Alain de Botton, para Epicuro nós poderíamos alcançar facilmente uma vida feliz contanto que tivéssemos esses 3 requisitos.
Como podemos ver, esses 3 requisitos encontram eco em várias outras obras do pensamento liberal. Humboldt vai defender a amizade como um instrumento de conservação do indivíduo, para ele é através de relações como a amizade que o ser humano conseguiria se tornar alguém original. Isso é importante porque em uma sociedade onde todos fossem iguais e onde ninguém fosse minimamente interessante para ser amigo de ninguém, ou em uma sociedade onde as pessoas fossem tão diferentes a ponto de não poderem conviver umas com as outras, não importaria de fato que tivéssemos uma grande liberdade institucional, isto é, política e econômica, a sociedade ficaria emperrada e o empreendedorismo e inovação seriam sufocados pela própria cultura.
Quanto a sabedoria, ou melhor dizendo, a prudência. Encontramos ramificações significativas no movimento conservador inglês (não confundir com o neo-conservadorismo), do qual eu prefiro evitar entrar em maiores detalhes por ainda não ter um conhecimento aprofundado a respeito das obras do mesmo.
E por fim, a liberdade dispensa comentários.
Mas mais importante do que saber como Epicuro se destacou como um dos filósofos mais libertários da Grécia antiga, é saber como ele pode ter influenciado as nossas gerações. Não basta apenas uma coincidência, precisamos de um elo, e ele existe.
Eu conversei com o Dr. Seann Gabb do The Libertarian Alliance a respeito disso, e você pode escutar a nossa conversa na íntegra acessando o episódio nº 14 do podcast LeverCast.
No século XVII aconteceu um fenômeno sinistro, que foi a completa mudança na concepção das pessoas em relação a existência de bruxas e de bruxaria. Sean chega a chamar isso de uma “mudança de paradigma”, em referência a Thomas Kuhn. Mas na verdade, nem é completamente correto chamar isso de uma mudança de paradigma, isso porque paradigmas costumam mudar quando a ciência normal passa por várias anomalias e não consegue lidar com elas, acontecem muitos, muitos debates na comunidade científica para quem um paradigma consiga substituir outro em uma revolução científica. Não houve, entretanto, nenhum grande debate durante o sec XVII entre os intelectuais da época em relação ao crédito ou ao descrédito da bruxaria. Essa visão foi simplesmente sumindo, até se tornar inacreditável. Houve uma mudança de paradigma sem que anomalias ocorressem no paradigma anterior. Foi uma mudança suave, quase imperceptível.
Mas o que teria provocado essa mudança? Bom, um palpite que podemos dar é a revivificação dos escritos de Epicuro, que se deram justamente nessa época. Esta revivificação se deu principalmente pelas mãos de Pierre Gassendi (1592-1655), um filósofo e clérigo francês que queria conciliar as doutrinas de Epicuro com as doutrinas do cristianismo. Gassendi pesquisou tudo o que havia sobre Epicuro, em todas as obras, compilou um robusto material e o conciliou com o pensamento cristão. Para Gassendi o mundo era material, mas os átomos – bem como os movimentos dos átomos – tinham sido produto da intervenção divina. Vale Salientar que, após Aquino, Gassendi já se encontrava em uma posição muito melhor do que os primeiros escolásticos para propor esse tipo de abordagem.
E foi assim que Epicuro entrou no túnel do tempo na Grécia antiga e foi parar na idade da razão. Há inúmeros relatos da influência Epicurista nessa época.
“Cientistas acharam [a física Epicurista] uma hipótese altamente útil em suas investigações na natureza física. Mas por 1660 a hipótese trabalhada foi explodida para um formato bem diferente, e seu formato alterado estava sendo vendido como a verdade final a respeito da natureza, do homem e da sociedade humana. O novo monstro teve um grande apelo. Em 1662 Edward Stillingfleet escreveu em Origines Sacrae que todas as teorias the Epicuro naquela época estavam fazendo o maior barulho no mundo. Alguns anos mais tarde John Wilkins, o remarcável bispo de Chester, que tinha sido por anos o líder espiritual naquele incrível grupo de cientistas em Oxford (um grupo que se tornou o núcleo da Royal Society), comentou sobre as opiniões extravagantes e irracionais que estavam à tona, inspiradas por Epicuro e seus átomos. Um pouco depois, Ralph Cudworth, provavelmente o mais aplicado membro dos platonistas de Cambridge, citou que a pouco tempo teria havido um extraordinário entusiasmo por Epicuro. De todos os lados vieram testemunhos sobre o efeito que Epicuro teve de fato levantado dos mortos e que a teoria atômica tinha estourado suas costuras.” – Edwin N. Hooker
E ao que tudo indica, tanto Newton quanto Locke leram Gassendi. E de fato há muitas semelhanças entre Newton, Locke e Gassendi. Newton também acreditava que os átomos se movem no vazio do espaço e que seus movimentos e suas existências são resultado de Deus. Locke, embora não seja um utilitarista, tem muito em comum com Epicuro quando defende sua teoria do contrato social. Para Locke o estado se justificava por meio de um contrato social, onde as pessoas permitiam ao estado controlar a resolução de disputas por estarem de acordo de que era preciso uma arbitragem imparcial, impessoal e com poder de força para fazer valer o direito à liberdade, propriedade e vida das pessoas. Para Epicuro tal contrato poderia surgir em sociedade como uma forma das pessoas se protegerem da violação umas das outras, ou seja, conservarem o prazer.
Enquanto podemos concordar que a filosofia hedonismo de Epicuro tem pouco haver com o justnaturalismo Lockeano, é interessante perceber como ambos dialogam em relação a construção do que poderia ser um contrato social e também em relação ao empirismo. De toda forma, não é muito importante para esse texto tentar forçar uma conexão entre Locke e Epicuro. Como dito antes, Epicuro se familiariza bem mais com utilitaristas. O ponto que deve ser destacado, entretanto, é que Epicuro foi “ressuscitado dos mortos” em pleno século XVII e suas ideias tiveram forte popularidade nesse período. Embora não seja certo por quais caminhos elas chegaram até os utilitaristas (sabemos que elas chegaram pois o próprio J S Mill cita epicuro em seus textos), o fato é que temos em Epicuro um dos principais influenciadores do pensamento iluminista do séc XVII, e também do pensamento liberal clássico.
Temos na doutrina de epicuro uma rudimentar descrição do que seria um contrato social, temos o racionalismo científico, temos o rancor pelo governo, temos a busca pela felicidade. Esses temas foram os principais tópicos do pensamento liberal, e portanto, não seria irrazoável, dado o nível de evidências, supor que Epicuro foi também um dos grandes pais da doutrina liberal.
“Quando liberais clássicos e libertários discutem as raízes intelectuais de suas ideias, eles são rápidos em citar Aristóteles e Aquino. Mostraria justiça se um lugar de honra ao menos igual fosse dado a Epicuro. De fato, mesmo que você se chame ou não de libertário, se você está feliz por viver em um mundo no qual você pode fazer o melhor para você mesmo e para os seus amados, no qual não há terrores sobrenaturais, mas ao invés um corpo de ciência natural que te apoia na busca pela felicidade, você também é um Epicurista.” – Dr. Sean Gabb, Epicurus Father of Enlightment

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